27.1.12

#gastronomia: à conversa com vítor sobral, seis meses passados sobre a abertura da tasca da esquina (SP)

[O brinde de Sobral e parte de sua equipe na festa de abertura da Tasca (acervo pessoal)


E já passaram seis meses.


[Sobral, fotografado à porta da Tasca da Esquina (foto de divulgação)]

Antes disso, já eu falava aqui da Tasca da Esquina e tentava trocar por miúdos — para usar uma expressão bem lusa — o parentesco próximo das tascas e tabernas portuguesas com os botequins brasileiros...

[A sala que fica logo à entrada, junto à cozinha (©luna garcia)]

Mas os tempos são outros. Os botecos passaram de pés-sujos a pés-limpos e as tascas e tabernas de toscas têm agora muito pouco ou nada. 

[A "segunda" sala  (©luna garcia)] 

Pelo contrário, são lugares agradáveis à vista, não tão baratos assim e com chefs que se preocupam, sem perder o foco, em dar à cozinha popular e aos petiscos um tratamento mais autoral, tornando-os também, pelo uso da técnica, mais leves e adaptados aos tempos (e paladares) de hoje.

[As pimentas na horta vertical, que usa madeira de demolição (©joão miguel simões, todos os os  direitos reservados)]

Quando ali estive pela primeira vez, acho que bem no começo de outubro do ano retrasado, logo de caras gostei da localização (um casarão que não fica numa esquina da Itu, mas quase) e das soluções adotadas pela decoradora portuguesa Paula Moura para encontrar um meio termo entre a essência da matriz lisboeta e a necessidade de afirmação da filial paulistana.

[Papel pardo nas mesas e poltronas de couro verde, tal como em Lisboa (©joão miguel simões, todos os os  direitos reservados)]

Por um lado, reconheci as poltronas de couro verde-azeitona, a cozinha à vista, o papel pardo a fazer as vezes de toalha, as caixinhas de madeira em miniatura usadas para o pão e um ou outro rosto familiar que transitou de Lisboa para São Paulo — uma das coisas de que Sobral mais se orgulha é a de ter uma equipe coesa e afinada que, na sua maioria, já o acompanha há 16, 17 anos.

Por outro lado, tive de me acostumar àquela nova "geografia" em "L" (ainda que contíguas, acabam por ser duas salas, com uma terceira, mais pequena e apenas para grupos até 12 pessoas, no andar de cima), mas o toque brasileiro da madeira de demolição, os tijolos aparentes e a horta vertical depressa me fizeram sentir numa casa longe de casa.

Desde então, estive ali mais vezes, mas, curiosamente, sempre ao almoço e em alturas que coincidiram com a passagem de Sobral por São Paulo — a base do chef continua sendo em Lisboa, onde terá inclusive, a partir de Fevereiro, uma nova escola de gastronomia, mas, vira e mexe, vem até São Paulo para acompanhar tudo de perto e realizar jantares temáticos.

[Lascas de bacalhau com batatas e ovo (©luna garcia)]

Na verdade, há anos que Sobral vive dividido entre Portugal e o Brasil, mas agora é diferente. Nestes últimos meses, ele tornou-se o primeiro o chef português a abrir uma filial de um restaurante português em solo brasileiro. O fato não passou ao lado da revista portuguesa "Wine-A Essência do Vinho", que elegeu Sobral como "Personalidade do Ano na Gastronomia" em 2011. 

"70% de tudo o que consumimos na Tasca de São Paulo vem de Portugal. O azeite é todo português [Andorinha, Edição Limitada de 2011], o arroz é todo português, o sal também... O papel higiênico é Renova, os tachos são Silampos, a porcelana e os talheres da Vista Alegre...", enumera Sobral, que, num futuro próximo, quer levar seu empreendedorismo mais longe e ter a sua própria importadora.

Do mesmo modo que muitos dos chefs brasileiros se queixam da falta de apoio e incentivo do governo para dar maior visibilidade no exterior à gastronomia brasileira, também Sobral acusa o fato de estar praticamente sozinho em sua empreitada de levar um pouco da nova gastronomia portuguesa para o Brasil.

[As lulas salteadas com palmito, um petisco (©joão miguel simões, todos os os  direitos reservados)]

Sem sócios brasileiros, Sobral não poderia ter aberto a Tasca da Esquina em São Paulo — por falar nisso, a tasca acaba de ganhar um novo sócio de peso, o empresário Gustavo Mello de Almeida. Nisso ele é peremptório, mas também o foi quando, logo no começo, demarcou seu território e deixou bem claro que vinha para demonstrar aos brasileiros que cozinha portuguesa é muito mais do que só bacalhau.

[O Bacalhau ao Forno (©luna garcia)]

Esse era, aliás, meu maior receio, que Sobral acabasse cedendo ao "mercado" e que viesse para o Brasil fazer mais do mesmo. Mas bastou bater o olho nos cardápios — de petiscos, pratos e bebidas — para suspirar de alívio... 

[O cardápio (clique na foto para ver maior)]

"Muitos dos clientes brasileiros que vêm à Tasca da Esquina — e alguns chegam a vir mais de uma vez na mesma semana — já estiveram na Tasca de Lisboa e estão ávidos de provar tudo", conta Sobral. Um dos melhores elogios veio precisamente de uma cliente que chegou junto a si e lhe disse: "Comi raia em Lisboa e a daqui estava igual!"


[O pão em suas típicas caixas de madeira e o ambiente ao almoço (©joão miguel simões, todos os os  direitos reservados)]

Por acaso, a raia cozida em azeite (R$56) foi um dos pratos que também provei, mas não é dos meus preferidos. 

[Um pedaço de pão e azeitonas temperadas (©joão miguel simões, todos os os  direitos reservados)]

Aliás, na Tasca, eu gosto sobretudo dos petiscos — à chegada, já sou feliz com o pão, as azeitonas temperadas e o queijo de mistura, seguindo depois para os bolinhos de bacalhau (da primeira vez estavam sequinhos, mas um pouco salgados) e para os embutidos portugueses (gosto de tudo, da morcela com maçã à alheira corada e farinheira com favas; pena que não venham de Portugal, mas Sobral assegurou-me que, até ver, sua importação é inviável...).

[O bolinho de bacalhau (©joão miguel simões, todos os os  direitos reservados)]

Nos pratos, e dependendo da saudade de casa, eu acabo preferindo os do dia mesmo, com possibilidade de me regalar com uma porção de bacalhau com natas (à 6ª, R$42) ou de filetes de peixe com arroz de tomate (à 3ª, R$42). Comida com nome e gosto de casa.

[Prato do dia à 6ª: bacalhau com natas (©joão miguel simões, todos os os  direitos reservados)]

No capítulo das sobremesas, gosto das farófias (claras cozidas em leite perfumado, parecem nuvens que se desfazem na boca, R$12), servidas em potinhos, do pudim Abade de Priscos (nesta versão da Tasca leva molho de maracujá e biscoito crocante, R$15) e, claro, do Creme Queimado (R$12,50).

[O Pudim Abade de Priscos com molho de maracujá (©joão miguel simões, todos os os  direitos reservados)]

Mas isto sou eu. Passados seis meses, Sobral já tem noção do que resulta e não resulta em São Paulo: "Os petiscos estão a ser um sucesso e com o bacalhau tudo resulta. Mas o requeijão não funcionou [o requeijão português é obtido a partir do soro do leite e nada tem a ver com a versão cremosa brasileira), o prego e a alhada de camarão também não [em vez de contrafilé, tida ainda como carne de "segunda" no Brasil, o prego usa filé mignon no pão]".

[O Creme Queimado, outra sobremesa da Tasca (©joão miguel simões, todos os os  direitos reservados)]

E os ingredientes, há diferenças? "Por norma, tudo aqui tem muito mais água, o que acaba por se refletir no gosto das coisas. Mas resolvo isso com alguns truques simples, secando a batata, por exemplo, ou assando o tomate", confidencia Sobral, que recusa "abrasileirar" seu sotaque luso para se fazer entender mais facilmente no Brasil mas não tem o menor problema em harmonizar certos pratos de seu cardápio com ingredientes daqui, "como a mandioquinha ou o quiabo", que muito aprecia.

[As farófias, claras cozidas em leite perfumado, vêm em potinhos e pedem um bom Porto (©joão miguel simões, todos os os  direitos reservados)]


Outro quesito importante numa tasca que se preze é o dos vinhos. O Brasil está, de um modo geral caro, mas poucas coisas me chocam tanto quanto o preço exorbitante dos vinhos importados (exceção feita aos chilenos e argentinos, mais em conta por não serem tão taxados). 


[O café, expresso, em vez de biscoitinhos ou trufas vem acompanhado de um shot de arroz doce com canela (©joão miguel simões, todos os os  direitos reservados)] 


Minto. Choca-me ainda mais ver como muitos brasileiros não estão nem ai para o preço e pagam, sem pestanejar, o triplo ou mais do seu valor real no país de origem  — dou um exemplo: uma leitora carioca, fã dos vinhos verdes portugueses, queria uma dica e eu indiquei o Muros Antigos, excelente custo-benefício, bem cotado inclusive pelos críticos em 2011, que em Portugal custa aproximadamente R$11. Pois, numa loja de vinhos do Rio o mesmo vinho é vendido por praticamente R$50! E não é dos piores.

[O espumante Luís Pato rosé costuma ser servido à chegada (©joão miguel simões, todos os os  direitos reservados)]

Na Tasca, Sobral dá grande preferência aos vinhos e espumantes portugueses, servidos à taça ou à garrafa, e tem tido a preocupação de os manter numa faixa de preços bastante aceitável para os padrões de São Paulo. Até porque a Tasca acaba sendo uma vitrine para muitos produtores de vinhos portugueses e uma forma dos brasileiros se aventuraram a degustar novos rótulos.

[A adega da Tasca paulistana (©luna garcia)]

Como português, de quando em vez voluntariamente expatriado no Brasil, posso até ser suspeito, mas agrada-me a ideia de saber que há uma tasca, numa quase esquina de São Paulo, onde conforto não tem sido sinônimo de acomodação.


Alameda Itu, 225, Jardins, São Paulo, tel. (0)11 3262-0033, de ter. a sáb., almoços entre as 12.00 e as 15.00 e jantares entre as 19.00 e as 00.00; ao dom., entre as 12.00 e as 16.00. Além das opções "Há Lá Carta", existem quatro degustações, ao critério do chef, entre R$78,50 e R$135 por pessoa

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